Por
Ian Farias.
Com grande júbilo a Igreja conclui o
Tempo Pascal com a Solenidade de Pentecostes, fazendo memória da vinda do
Espírito Santo sobre os Apóstolos e Maria Santíssima, que se encontravam em
oração no cenáculo. Cabe-nos aqui ressaltar que nesta Solenidade celebramos o
nascimento da Igreja, que ainda estava tomada pelo temor dos discípulos diante
das autoridades, as quais haviam matado Jesus, mas que agora já não mais seria
tomada pelo temor, mas pela força propulsora do Evangelho que causaria uma
modificação na fé dos discípulos tementes.
Nas leituras desse acontecimento
percebe-se a manifestação do Espírito de Verdade, que impulsiona o cristão a
tornar-se anunciador do Evangelho e testemunhar a Cristo com a própria vida,
esvaziando-se de si mesmos e deixando-se preencher pela completude da graça que
faz grandes prodígios.
Na primeira leitura tem-se a narração
lucana do dia de Pentecostes, dia em que o Espírito vem em profusão sobre os
que se encontravam no cenáculo. Para João, o dom do Espírito Santo é
consequência da glorificação de Jesus: prometido e entregue. Vale ressaltar que
alguns exegetas têm poucas dúvidas de que o relato de Lucas nos Atos (2, 1-13)
tenha sido uma construção artificial na qual o evangelista priorizava a reta
intenção teológica. No entanto, não cabe aqui fazer uma análise histórica do
tema em questão, mas, sim, da ação do Espírito e de como tais feitos podem
influenciar na hodierna sociedade.
“Quando chegou o dia de
Pentecostes, estavam todos reunidos. De repente veio do céu um ruído, como de
vento de furacão, que encheu toda a casa onde se alojavam” (vv. 1-2).
A festa de
Pentecostes foi instituída desde o Antigo Testamento. Pentecostes
é o nome de uma festa do antigo calendário bíblico, (Ex 23, 16). Originalmente,
essa festa é referida como festa da
Colheita, dia de alegria e ação de graças; nessa ocasião ofereciam-se as
primícias do que a terra produziu. É também a festa da Aliança feita por Deus cinquenta dias depois da saída da
escravidão do Egito.
O cenário que Lucas transcreve faz
memória do “dia do Senhor”, de sua teofania, sua manifestação, ainda que por um
modo aparentemente turbulento. O “lugar” que se encontravam era o Cenáculo de
Jerusalém. Ali, onde antes reinava o temor ocasionado pela perseguição dos
sacerdotes, agora viria a força propulsora que faria com que os discípulos
renegassem a todo o medo. E também nós poderíamos indagar-nos sobre quantas
vezes deixamos que o temor sufocasse o amor a Cristo e a sua Igreja. A nossa fé
parece ser abalada por certas investidas adversas àquilo que professamos. É
também nestes instantes que devemos voltar-nos ao Cenáculo e devemos pedir que
a Igreja, novo Cenáculo do novo povo de Deus, possa ser sinal da graça
santificadora atuante no mundo.
Dos que ali estavam presentes
encontramos enumerados da seguinte forma: os onze Apóstolos são enumerados por
nome, e os primeiros três são Pedro, João e Tiago, as "colunas" da
comunidade; juntamente com eles são mencionadas "algumas mulheres",
"Maria, a Mãe de Jesus" e os "irmãos dele", já integrados
nesta nova família, fundamentada não já em vínculos de sangue, mas na fé em
Cristo.
“Apareceram línguas como de fogo, repartidas
e pousadas sobre cada um deles. Encheram-se todos do Espírito Santo e começaram
a falar línguas estrangeiras, conforme o Espírito lhes permitia expressar”
(v. 3-4).
Um único Espírito pousa sobre eles e
se distribui.A informação sobre a língua em que falavam parece-nos incoerente.
Se no versículo quatro se diz que falavam as “línguas estrangeiras”, no
versículo oito se diz que aqueles que ouviam os apóstolos o escutavam em seu
próprio idioma. No entanto, cabe notarmos que não se diz que falavam “novas
línguas” como alguns grupos utilizaram para justificar as orações “em línguas”.
Mas falavam as línguas estrangeiras de todos aqueles que ali se encontravam
para a festa e todos podiam compreendê-la como se fosse uma única língua.
É prodigioso notarmos isso! Se por um
lado parece que o narrador despreocupa-se com maiores detalhes no texto, como o
momento em que eles começaram a falar ou por que o estrondo os congrega naquele
lugar; por outro não deixa de relatar a universalidade da língua. Que língua
falavam os que ali estavam congregados senão a linguagem do amor? O amor que nos
faz abdicar de nós mesmos, vencermos o comodismo e dirigir-nos em direção ao
outro. Esta é a linguagem universal de Pentecostes; esta deve ser a linguagem
universal da Igreja.
“O amor haveria de reunir na Igreja de Deus
todos os povos da terra. E como naquela ocasião um só homem, recebendo o
Espírito Santo, podia falar em todas as línguas, também agora, uma só Igreja,
reunida pelo Espírito Santo, se exprime em todas as línguas. Se por acaso
alguém nos disser: ‘Recebeste o Espírito Santo; por que não falas todas as línguas?’
devemos responder: ‘Eu falo em todas as línguas. Porque sou membro do Corpo de
Cristo, isto é, da sua Igreja, que se exprime em todas as línguas. Que outra
coisa quis Deus significar pela presença do Espírito Santo, a não ser que sua
Igreja haveria de falar em todas as línguas?’”
(Dos Sermões de um Autor africano anônimo, do século IV, LH 910).
A universalidade da Igreja de Cristo. |
Este aspecto denota a universalidade
da Igreja de Cristo. A Igreja Católica não é composta por várias Igrejas, mas
apenas uma, unida ao seu Senhor. A Igreja é o retrato de Pentecostes, desta
compreensão de caráter universal.
Sim, eis aqui a centralidade do
mistério de Pentecostes: dar vitalidade à Igreja! Fazer com que ela seja a
garante da veracidade dos Dogmas e mandamentos ensinados por inspiração do
Espírito e saber que mesmo na fragilidade de seus filhos ela é constantemente
confirmada pelo supremo poder do Espírito Santo e é, ao mesmo tempo, sua
portadora.
Por este motivo pôde assinalar Santo
Irineu: "Onde
está a Igreja, ali está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, ali
estão a Igreja e todas as graças, e o Espírito é a verdade; afastar-se da
Igreja significa rejeitar o Espírito" e, por conseguinte, "excluir-se da vida" (Adv. Haer. III, 24, 1). A verdadeira vida do
homem não é aquela onde ele julga poder, com sua autossuficiência, responder os
questionamentos da vida e isolar-se de Deus. Não! A verdadeira vida é viver a
liberdade autêntica de filhos de Deus e colocar-se a seu serviço, ser portador
do seu Espírito aos homens.E por este Espírito a esperança pode brilhar em meio
aos turbulentos dias que afrontam a dignidade de nossa filiação adotiva. Ele
quebra a tentação do homem que deseja uniformizar tudo e liberta o homem da
escravidão à qual são tentados a lançarem-se. Só o homem livre tem esperança.
Quem é escravo não pode esperar, pois reduz-se ao seu mundo, ao seu modo de
pensar e não abre-se à graça regeneradora do Espírito, é submisso ao peso e à
deterioração da história.
Mas a unidade da Igreja
vai além dos seus ensinamentos. Desde o Concílio Vaticano II, somos chamados a
dialogar também com outros povos. O Documento de Aparecida faz um forte apelo
pela unidade de todos os cristãos, sobretudo nesta festa que encerra no
hemisfério Sul a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, recordando-nos que
os sinais frutíferos da unidade provêm exclusivamente do Espírito: “Às vezes esquecemos que a unidade é, antes
de tudo, um dom do Espírito Santo, e oramos pouco por esta intenção” (nº
230).
Se observarmos o relato
da primeira leitura, a propósito desta dimensão da universalidade, poderemos
constatar de forma clara que a universalidade ocorre em meio à diversidade de
povos. Os que ali estavam eram “da
Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da
Panfília, do Egito e da parte da Líbia próxima de Cirene, também romanos,
judeus e prosélitos, cretenses, árabes” (vv. 9-11).
“No evento do Pentecostes
torna-se clarividente que à Igreja pertencem múltiplas línguas e diferentes
culturas; na fé, elas podem compreender-se e fecundar-se reciprocamente. São
Lucas quer claramente transmitir uma ideia fundamental, ou seja, que no próprio
ato do seu nascimento a Igreja já é ‘católica’, universal. Ela fala desde o
início todas as línguas, porque o Evangelho que lhe é confiado está destinado a
todos os povos, em conformidade com a vontade e o mandato de Cristo
ressuscitado (cf. Mt 28,
19). A Igreja que nasce no Pentecostes não constitui, acima de tudo, uma
comunidade particular a Igreja de Jerusalém mas sim a Igreja universal, que
fala as línguas de todos os povos. Sucessivamente, dela hão de nascer outras
comunidades em todas as regiões do mundo, Igrejas particulares que são, todas e
sempre, realizações da una e única Igreja de Cristo. Por conseguinte, a Igreja
católica não é uma federação de Igrejas, mas uma única realidade: a prioridade
ontológica cabe à Igreja universal. Uma comunidade que, neste sentido, não
fosse católica não seria nem sequer Igreja” (Papa Bento XVI, Homilia de Pentecostes, 2008).
O sopro do Espírito Santo. |
Vale ainda recordar que:
“Pelo sopro do Espírito Santo e outros meios conhecidos de Deus, a graça de
Cristo pode alcançar a todos os que ele redimiu, para além da comunidade
eclesial, porém de modos diferentes. Explicitar e promover esta salvação já
operante no mundo é uma das tarefas da Igreja com respeito às palavras do
Senhor: ‘Sejam minhas testemunhas até os extremos da terra’ (At 1,8)” (DA nº
236). Com isto vemos que mesmo aqueles que diretamente não estão unidos à
Igreja, podem ser salvos pela graça e misericórdia de Cristo. Não podemos restringir
a salvação somente a Igreja Católica – embora creiamos que é esta a Igreja de
Cristo, onde Ele opera e É – mas podemos afirmar que a Igreja é o viés por onde
os fiéis podem também obtê-la. De certo que a Igreja, sacramento universal da
salvação (cf. LG 4), constitui-se como aqueles que, congregados no Cristo,
propõem-se a viver o Seu Evangelho e a doar-se completamente pela causa do
Reino.
Na segunda leitura da
carta aos Gálatas (5, 16-25), própria do ano B, gostaria de ressaltar um
aspecto ainda relacionado à primeira leitura: a liberdade do Espírito. Aqui
somos convocados a pensar naquilo que não se apreende apenas no âmbito cristão,
mas também no âmbito filosófico: a execução dos instintos enquanto barreira
para a felicidade. Aristóteles, que melhor tratará disso, dirá que o bem
supremo, isto é, a felicidade, consiste em aperfeiçoar-se enquanto homem, em
procurar não apenas viver visto que até os vegetais vivem, mas é um buscar viver
corretamente, com ética e consciência de
filhos de Deus.
Assim, Paulo traz consigo
uma mensagem de incômodo às estruturas atuais que forjam os seres humanos, mas
também trás uma palavra de conforto e de esperança.
“Procedei segundo o Espírito. Assim, não executeis os desejos do
instinto. Pois o instinto tem desejos contrários aos do Espírito, e o Espírito
tem desejos contrários aos do instinto; e tão oposto que não fazeis o que
quereis” (v. 16).Vem-me à mente a passagem da primeira carta aos Coríntios:
“O Senhor é o Espírito e onde está o
Espírito do Senhor existe liberdade” (3,17). Reforça-se aqui o que havia
dito mais acima. O Espírito de Deus não é para aprisionar, escravizar, mas para
libertar; uma liberdade sã, que tem sentido quando o homem encontra a si mesmo
em Deus e encontra Deus em si mesmo. Somos impulsionados a usar a liberdade
para o amor. Assim, quem procede segundo o Espírito, quem não executa os
desejos que hão de lhe escravizar, mas vive segundo a verdadeira Liberdade,
pode haurir forças para lutar contra os instintos e volúpias.
O relato começa e termina
com a mesma exortação: “Deixai-vos
conduzir pelo Espírito” (v. 25). Por descrever Espírito maiúsculo, podemos
entender que Paulo não fala de outro, senão da terceira Pessoa da Santíssima
Trindade. No entanto, o texto encontra algumas ambiguidades pelo jogo de
maiúsculas e minúsculas, talvez propositalmente, aludindo ao “espírito” que
Deus outorgara ao homem pela santidade.
Assim, chegamos ao
Evangelho (Jo 15, 26-27;16,12-15). “Quando
vier o Paráclito que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que
procede do Pai, ele dará testemunho de mim; e também vós dareis testemunho,
porque estivestes comigo desde o princípio”. Vemos que Jesus firma o
Espírito como sua testemunha. Ele é o acompanhante do futuro, aquele que se usa
dos apóstolos para que possam dar testemunho dos seus feitos e espalhar seu
nome pela terra. Para os apóstolos, que estiveram presentes com Jesus na sua
vida pública, findada a missão terrena do Mestre, inicia-se as suas missões
terrenas.
“Quando ele vier, o Espírito da verdade vos guiará para a verdade plena”
(Jo 16,13). Não que o Espírito trará novas verdades, mas Ele vai conduzir os
discípulos para que, no interior da revelação do Cristo, possam compreendê-la e
desvela-la gradualmente. A Igreja, transmissora desta “verdade”, é também
chamada a testemunhá-la antes de transmiti-la com palavras, deve ela
redescobrir o valor e a beleza intrínseca a este testemunho que a configura a
Cristo, que a faz portadora por excelência do Espírito. Somente quando portamos
o Espírito da verdade, o Espírito que vivifica, o Espírito de Amor, podem os
outros ver em nós, templos vivos, a grandeza e fragilidade do amor de Deus.
E queremos, por fim,
rezar a este Espírito, como rezou o Papa Bento XVI com os Bispos italianos
(24/05/12):
“Espírito de Vida, que em princípio pairava sobre o abismo,
ajude a humanidade do nosso tempo a compreender
que a exclusão de Deus leva a passagem no deserto do mundo,
e que somente onde entra a fé florescem a dignidade e a liberdade
e a toda sociedade se edifica na justiça.
Espírito de Pentecostes, que faz da Igreja um só Corpo,
restitui nós, batizados, a uma autentica experiência de comunhão;
torna-nos sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo,
comunidade de santos que vivem a serviço da caridade.
Espírito Santo, que habita na missão,
concede-nos reconhecer que, também no nosso tempo,
tantas pessoas estão em busca da verdade sobre sua existência e sobre o mundo.
Faça-nos colaboradores da alegria deles com o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo,
grão de trigo de Deus, que torna bom o terreno da vida e assegura a abundancia da colheita.
Amém”.
ajude a humanidade do nosso tempo a compreender
que a exclusão de Deus leva a passagem no deserto do mundo,
e que somente onde entra a fé florescem a dignidade e a liberdade
e a toda sociedade se edifica na justiça.
Espírito de Pentecostes, que faz da Igreja um só Corpo,
restitui nós, batizados, a uma autentica experiência de comunhão;
torna-nos sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo,
comunidade de santos que vivem a serviço da caridade.
Espírito Santo, que habita na missão,
concede-nos reconhecer que, também no nosso tempo,
tantas pessoas estão em busca da verdade sobre sua existência e sobre o mundo.
Faça-nos colaboradores da alegria deles com o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo,
grão de trigo de Deus, que torna bom o terreno da vida e assegura a abundancia da colheita.
Amém”.
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